Foto: Beto Albert (arquivo/Diário)
8 de julho parecia um dia comum para os moradores da cidade de Estação, região norte do Estado. Próximo à Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria Nascimento Giacomazzi, ouvia-se o misto de vozes dos alunos que ecoavam para fora das salas de aula. Mas o espaço que deveria ser de ensino e desenvolvimento acabou marcado pela dor por conta de um ataque orquestrado por um adolescente de 16 anos.
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Após ter a entrada autorizada na instituição com a desculpa de que iria entregar um currículo, o jovem invadiu uma sala de aula e deferiu diversos golpes de faca contra crianças e uma professora. Um menino de 9 anos morreu. Outros ficaram feridos. Com a internação provisória decretada, o adolescente deve responder por ato infracional análogo a homicídio qualificado e tentativas de homicídio qualificado. A motivação do crime não foi revelada.
Esse e outros casos ocorridos em âmbito escolar têm justificado a adoção de medidas de segurança em diversos municípios gaúchos, entre eles, Santa Maria. Desde 2023, todas as escolas da rede municipal de ensino contam com um botão do pânico. O dispositivo, que está ligado ao sistema do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) e a uma empresa de monitoramento, tem como objetivo promover pronta resposta em casos de risco à vida.
Na reportagem, entenda a importância da escola na vida do adolescente e porquê os pais e os responsáveis devem defender essa instituição.
Segundo lar
Sancionada em dezembro de 1996, a Lei nº 9.394 trata sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Embora tenha passado por alterações nos últimos anos, pontos importantes seguem intactos, como é o caso do Artigo 2, que afirma que a educação “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O conceito é defendido pela psicóloga clínica e doutora em psicologia social, Dorian Mônica Arpini:
– Eu entendo a escola sempre como um espaço positivo por se tratar de um local de aprendizagem, que é fundamental para construir um adulto; de socialização e de reconhecimento de autoridade, regras e responsabilidades. A escola enquanto instituição é sempre positiva, ainda que se possa viver algumas experiências negativas, o que também é da natureza humana. Partindo do ponto de vista social, a escola para muitas crianças e adolescentes é um espaço altamente protetivo. Quantos e quantas jovens saíram de situações de violência porque estavam na escola e conseguiram falar com alguém daquele espaço? Temos que ter a escola como uma aliada.
Para muitos, as instituições de ensino são segundos lares devido a grade da Educação Básica, que é composta por três fases: Educação Infantil, que vai até os 5 anos de idade; Ensino Fundamental, que abrange anos iniciais (1º a 5º anos) e anos finais (6º a 9º anos) e Ensino Médio, que tem duração de três anos. Para a autora dos livros “Violência e exclusão: adolescência em grupos populares”(2009) e “Psicologia, famílias e leis: desafios à realidade brasileira” (2012), o formato aumenta a responsabilidade não apenas sobre o que é ensinado, mas na observação de mudanças comportamentais principalmente na adolescência.
– Hoje, vemos adolescentes que perderam a capacidade de ter empatia e pensam que para ficar bem, fazer parte de um grupo, ser popular ou corajoso, podem fazer mal para o outro. É algo que, como sociedade, estamos vivendo e todas as instituições precisam trabalhar mais esses valores. Violentar, fazer mal e destruir o outro não podem ser pensadas como tarefas da adolescência, mas sim um mal da sociedade. Isso acontece quando as coisas se complicam, do ponto de vista social e, às vezes, pessoal. A escola, daqui para frente, terá que trabalhar esse tema sempre, porque é um problema – reforça a psicóloga.

Rede de ensino
Em Santa Maria, cerca de 20 mil estudantes frequentam a rede municipal de ensino. Neste contexto, casos de violência, bullying, racismo, violência sexual, entre outros têm sido registrados, o que acende um sinal vermelho. As soluções e os desafios encontrados no atual cenário são comentados pela secretária de Educação, Gisele Bauer:
– Vejo esse cenário com muita preocupação, porque a escola reflete uma sociedade que tem se mostrado adoecida nos seus comportamentos e na falta de referências éticas e morais. Observamos essa falta de referência desde as crianças pequenas. Então, a nossa secretaria tem feito um esforço muito grande para trabalhar de forma preventiva, orientando não só os estudantes, mas também as famílias, porque percebemos que elas também estão sem muita referência e, às vezes, muito desinformadas sobre os perigos que a internet tem trazido para as nossas crianças e nossos adolescentes. Há casos em que falta até conhecimento dos pais para poder atuar de forma mais efetiva e preventiva nesta educação.
Dos 56 anos de Gisele, mais de 30 foram vividos dentro de salas de aula em instituições de ensino nas redes municipal, estadual e privada. A experiência fez com que a professora e hoje secretária de Educação enxergasse a escola por outros vieses e trabalhasse por mudanças.
– A minha prática docente sempre foi voltada para a questão do acolhimento e do diálogo. Como professores, precisamos estabelecer vínculos afetivos com as crianças e os adolescentes para que eles se sintam num espaço seguro de fala e, que possam ali expressar os seus desejos, os desafios e as angústias, para que o educador possa intervir e ajudar da melhor forma. Então, acho que a escola não é um espaço de julgamento. É de acolhimento, de orientação e informação. Se existe uma outra instância que julga e que precisa ser julgado, isso precisa ser encaminhado. Um fato importante hoje é perceber que a escola não pode trabalhar sozinha. Ela precisa trabalhar em rede. Aqui, buscamos esse fortalecimento com o Ministério Público, os Conselhos Tutelares, a área de saúde e a área de segurança, para que efetivamente, possamos ter essas famílias inseridas em programas, com informação e orientação para ajudar na educação dos filhos. O trabalho com a rede é extremamente importante – comenta.
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Prevenção
Além do botão do pânico, as escolas municipais contam com normas de convívio pensadas exclusivamente para o contexto em que estão inseridas. A Secretaria de Educação de Santa Maria também tem adotado práticas restaurativas previstas na Lei nº 9.394/96.
– Tem funcionado. Temos um programa na Secretaria de Educação, vinculado ao setor pedagógico, onde as escolas acionam quando há um problema mais grave. Esse grupo é formado por especialistas, profissionais capacitados para atuar no problema e de forma preventiva também. Hoje é difícil dizer se acontecem (casos de violência) mais na cidade ou na periferia, porque de forma geral, nossas crianças e nossos adolescentes têm manifestado comportamentos violentos e até adoecidos, o que requer acompanhamento de profissionais especializados – argumenta Gisele.
Apoio parental
A escola não é feita apenas de alunos, professores e funcionários. A presença dos pais na instituição de ensino é fundamental, principalmente para evitar casos de violência.
– Os pais e a escola precisam conversar, mas não para descobrir quem é o culpado, o que dificulta as relações. Eles precisam ser aliados. Os pais precisam estar interessados que a escola seja boa para o filho e eles podem contribuir com isso se quando eles identificarem algo forem, não para acusar a escola, mas pedir ajuda ou serem receptivos quando a escola apresentar alguma questão – orienta a psicológa Dorian Mônica Arpini.
A abordagem também é defendida por Gisele. Para a secretária de Educação, a escola está ali para complementar o trabalho da família na formação integral do aluno como indivíduo, sendo essencial que acompanhem juntos o desenvolvimentos dos adolescentes e as escolhas feitas dentro ou fora da sala.
